Se ao provérbio português “De médico, poeta e louco todos nós temos um pouco” acrescentarmos – “fiz uma pesquisa na net” – o resultado são notícias de TV, episódios de novelas em prime-time, artigos de revista ou conversas de café, em que todos sabem dar opinião sobre a “hiperactividade” e o excesso de “medicação”. E, que a culpa é dos pais que não educam e dos professores que não querem ter trabalho. E ainda, que dantes não havia nada disto…
E se não estivermos atentos? Devíamos começar por aqui…
Os adultos que sofrem de Perturbação de Hiperactividade com Défice de Atenção(PHDA), sem intervenção, têm um risco acrescido de delinquência e comportamentos antissociais, comportamentos aditivos (alcoolismo, toxicodependência), acidentes pessoais e desenquadramento social. Para além de quadros psiquiátricos comorbidos: ansiedade, depressão, tentativas de suicídio.
Sim, a Perturbação de Hiperactividade com Défice de Atenção existe e sempre existiu. Deve ser correctamente diagnosticada e tratada, sem preconceitos ou estigmas, para que as crianças de hoje sejam adultos mais competentes, livres de doenças psiquiatricas, que são o resultado de anos sucessivos de frustração e baixa auto- estima, porque não se tratou um défice de atenção.
A PHDA é uma doença do neurodesenvolvimento, de origem neurobiológica, caracterizada por limitações, inapropriadas à idade, em regular a atenção, geralmente associada a impulsividade e hiperactividade. Nesta primeira definição sobressai que o problema mais importante é o Défice de Atenção.
A carga genética parece ser a causa primária desta perturbação. Identificam-se sinais/sintomas de PHDA em 80% dos pais dos nossos meninos, mesmo quando são adultos funcionais.
O ingresso no ensino básico é em regra o “início” da doença. Pela primeira vez é posta à prova a capacidade de organização e surgem as queixas de desatenção – não faz nada se não estiver acompanhado, não termina as tarefas, faz erros porque passa perguntas à frente – com ou sem irrequietude/impulsividade: não pára quieto, incomoda os colegas, interrompe a aula, não espera pela sua vez.
O tratamento da PHDA passa pela conjugação de terapias cognitivo-comportamentais e farmacológica. E aqui começa a confusão: tantos medicados!! A medicação faz mal!? É forte!?
O tratamento farmacológico é utilizado, sempre e quando existe uma evidência de disfunção significativa, causada pela doença, nos vários ambientes (escolar/ laboral e sociofamiliar).
O metilfenidato é um psico-estimulante que melhora a capacidade de concentração. Reduz o estado de hipervigília, a impulsividade e a actividade motora espontânea com diminuição dos comportamentos agressivos, opositivos/antissociais e melhoria do desempenho académico. As diversas formulações disponíveis variam, apenas o seu
tempo de acção: curto, intermédio ou longo. A dose é ajustada em função do peso e não existe nenhuma formulação comercial “mais forte”. Não induz dependência e diminui em 50% a probabilidade de abuso de substâncias ilíctas.
Os multiplos estudos científicos disponíveis mostram que a evolução da PHDA depende da intervenção adequada, quer farmacológica, quer comportamental. E está provado que o metilfenidato é eficaz e tem riscos desprezíveis, quando comparado com as consequências da evolução da doença sem qualquer intervenção. Estima-se que a PHDA esteja presente em 3-7% das crianças em idade escolar e na idade adulta a prevalência é de 3-4%, afectando todos os níveis intelectuais e classes socioeconómicas.
O conhecimento médico actual permite-nos afirmar que: – Não, a PHDA não é uma doença nova, não há culpa nem dos pais, nem dos professores e muito menos das crianças.
– Sim, devemos medicar, se for preciso, se formos médicos e um pouco poetas.
Dizem, alguns, que estamos loucos, mas sabemos que estamos a fazer bem porque estamos atentos.
Margarida Pontes
Pediatra do Neurodesenvolvimento
mim – Clínica do Desenvolvimento