É cada vez mais comum encontrarmos pais que procuram ajuda especializada porque o seu filho, de quatro anos, ainda não sabe diferenciar letras de números, ainda não sabe identificar os números (mas sabe contar até 20!), tem um tempo de concentração inferior de 30 minutos, tem dificuldade em copiar o seu nome, é desorganizado nas tarefas escolares, só pensa em brincar, não termina as atividades… etc. Perante este cenário, a nossa reação só poderá ser uma: “Ainda bem! O seu filho é saudável.”.
Efetivamente, antecipar etapas do desenvolvimento é o mesmo que pedir que os nossos filhos nascessem a falar. Tal não é possível porque o desenvolvimento é cumulativo, segue um ritmo e uma ordem natural e implica interação, descoberta, criatividade, alegria, frustração, persistência, etc. O desenvolvimento humano é influenciado por fatores como a hereditariedade, o crescimento orgânico, a maturação neurofisiológica e o ambiente. Como tal, para uma aprendizagem adequada é necessária a maturação dos órgãos dos sentidos, do sistema nervoso central e dos músculos, motivação, autoconceito positivo, autoconfiança, maturidade emocional, experiências naturais com o meio, autonomia e interação humana.
Não é por acaso que a entrada para a escolaridade obrigatória ocorre aos seis anos. Esta tem sido uma etapa estudada e reestudada e tem se apresentado como a idade média em que um número substancial de crianças apresenta um nível de maturidade que lhes permitirá adquirir com maior facilidade a leitura, a escrita e o cálculo. É nesta fase que se espera que a criança tenha desenvolvido competências sociais e pessoais, motoras e cognitivas que lhe permitam uma integração saudável no 1o ciclo. Neste sentido, o período de vida que antecede esta transição tem como finalidade a promoção natural de competências-base que permitam um percurso escolar de sucesso, recheado de sorrisos, empenho e, naturalmente, algumas dificuldades e frustrações.
Centrando-nos exclusivamente nas competências cognitivas, importa reforçar a ideia de que é através do brincar, individualmente ou em interação com pares ou adultos, que a criança irá desenvolver aptidões cognitivas fundamentais para aprendizagem escolar. É nesta lógica que a memória de trabalho se apresenta como uma capacidade cognitiva imprescindível no processo de aprendizagem, a par das competências linguísticas. É a memória de trabalho que permite à criança manter a atenção numa tarefa, planificar as atividades, escolher os procedimentos adequados para a resolução de problemas, selecionar os estímulos relevantes e monitorizar as atividades. Deste modo, a promoção natural desta competência nos contextos de vida da criança apresenta-se como muito pertinente e como uma medida preventiva de dificuldades futuras.
A estimulação natural da memória de trabalho poderá ser efetuada no dia-a-dia, de forma descontraída, através de atividades como:
– Construções de blocos (seguindo as instruções dos materiais ou inventando novos cenários);
– Dominó de imagens;
– Quebra-cabeças de imagens (encontrar as diferenças entre duas imagens);
– Achar os opostos;
– Ligar os pontos (ligar pontos numa determinada sequência, letras e/ou números, e descobrir a imagem);
– Sudoku com imagens;
– Memória de imagens par (em competição com outro jogador, encontrar duas figuras par viradas ao contrário);
– Contar e recontar histórias a partir de imagens ou desenhos animados visualizados;
– Memorizar a lista do supermercado;
– Inventar rimas;
– Memorizar pormenores de locais visitados (p. ex. número de pessoas que vestiam roupa vermelha);
– Contar o número de carros de determinada cor durante uma viagem;
– Etc. (dê aso à sua imaginação).
Brincar com a criança reforça laços, ensina-a a tomar opções, a lidar com o insucesso, a persistir, a se focar, a se organizar, a interagir, a ceder e, acima de tudo, a
amadurecer e a desenvolver os alicerces para a casa que em breve irá construir.
E não nos esqueçamos, a criança que sobe às arvores, constrói castelos ou bolos de lama, corre, cai e esfola os joelhos, aqueles que precisam com urgência de um banho porque estão com a roupa toda machada e com as mãos e as unhas mais sujas que o passeio por onde caminhamos, são os mais felizes, os mais completos e os que têm maior probabilidade de obterem sucesso escolar.
Paulo R. C. Coelho
Psicólogo da Infância e Adolescência
Diretor Técnico da “mim – Clínica do Desenvolvimento”